Distribuição de Dividendos: Aspectos Societários

Por Júlia Bandeira de Melo Campos* e Thalita Vani* — No contexto empresarial, a distribuição de dividendos é discutida sob vários aspectos. A forma de distribuição de dividendos pode até implicar uma mudança no tipo societário de uma sociedade/companhia. É direito essencial do sócio/acionista participar dos lucros sociais, conforme o Código Civil (C.C) e a Lei 6.404/76 (“LSA”). Ou seja, há vedação legal para suprimir o direito do sócio/acionista de participar dos lucros sociais, ainda que mediante deliberação unânime.

Condição para a Distribuição de Dividendos

A distribuição de dividendos é um direito econômico conferido ao sócio/acionista e inerente à finalidade de toda e qualquer sociedade empresária, considerando que o seu objetivo está atrelado à obtenção de lucro e à partilha deste entre os seus sócios.

Embora seja um direito do sócio, a distribuição de dividendos depende da existência de lucro distribuível, sob pena de sua descaracterização. Caso contrário, pode haver responsabilização civil e criminal dos administradores (se houver dolo). A LSA prevê que os acionistas que tenham agido de má-fé devem, obrigatoriamente, restituir os dividendos, presumindo-se a má-fé caso não tenha sido levantado o balanço do exercício ou os dividendos tenham sido distribuídos em desacordo com as demonstrações financeiras. A distribuição de dividendos sem lucros contábeis pode acarretar, ainda, implicações tributárias.

Forma de Distribuição de Dividendos

Destacamos que, de forma geral, os dividendos devem ser pagos em dinheiro, embora haja discussões a respeito da possibilidade de distribuí-los “in natura”. Neste último caso, será considerada uma dação em pagamento, dependendo, portanto, da concordância expressa do acionista-credor.

A Distribuição Obrigatória de Dividendos

A LSA prevê que os acionistas têm direito de receber dividendos obrigatórios de acordo com o previsto no estatuto social da companhia ou, se omisso, o valor determinado conforme as regras lá estabelecidas.

Há duas hipóteses em que é possível distribuir dividendos abaixo dos limites mínimos obrigatórios: (i) pelas companhias abertas, quando esta é feita exclusivamente para captar recursos via debêntures não conversíveis em ações; e (ii) pelas companhias fechadas que não sejam controladas por companhias abertas que não se enquadrem na primeira hipótese. Além disso, se a situação financeira da companhia não permitir, a distribuição de dividendos deixa de ser obrigatória.

No entanto, os dividendos obrigatórios devem sempre respeitar e não podem prejudicar o direito dos preferencialistas de receberem os dividendos a que tenham prioridade, inclusive os atrasados.

Companhias Fechadas com Receita Bruta Anual de até R$78 milhões

O Marco Legal das Startups (“ML das Startups”) estabeleceu que as companhias fechadas que tiverem receita bruta anual de até R$78 milhões, na hipótese de omissão do estatuto social quanto à distribuição de dividendos, ficam dispensadas de distribuir os dividendos obrigatórios. No entanto, foram mantidos os direitos dos preferencialistas em receber os dividendos fixos ou mínimos a que tenham preferência ou prioridade, conforme aplicável.

Princípio da Proporcionalidade

De forma geral, a distribuição de dividendos ocorre de forma proporcional à participação de cada sócio no capital social (sociedades limitadas) ou ao número de ações detido por cada acionista (sociedades por ações). A ideia é que “o sócio que mais contribuiu para a formação do capital social será, na mesma proporção, mais recompensado no momento da repartição dos lucros gerados pelas atividades da pessoa jurídica.”

No entanto, no caso das sociedades limitadas, os lucros podem ser distribuídos desproporcionalmente, se previsto no contrato social e aprovado pelos sócios, sendo recomendável que a deliberação seja unânime para evitar questionamentos futuros. Nas sociedades por ações, a distribuição desproporcional não é permitida entre acionistas da mesma classe. Vale destaque, no entanto, para a possibilidade de emissão de ações preferenciais, cujas preferências podem consistir em prioridade na distribuição de dividendo, fixo ou mínimo.

Há que se ponderar que, após a promulgação do ML das Startups, muito se discutiu sobre a (im)possibilidade de se realizar a distribuição de lucros desproporcional nas sociedades por ações. Isto porque a LSA foi modificada para que, em caso de omissão do estatuto quanto à distribuição de dividendos, estes serão estabelecidos livremente pela assembleia geral, hipótese em que não se aplicará o disposto no art. 202 da LSA.

Para alguns, a inclusão da expressão “estabelecidos livremente pela assembleia geral” deu margem à interpretação no sentido de se passou a permitir que, no caso das companhias fechadas com faturamento bruto anual inferior a R$ 78 milhões, os lucros sejam distribuídos da maneira como for deliberado pelos acionistas, inclusive desproporcionalmente.

Entretanto, interpretando a nova redação, bem como o seu contexto, verifica-se que o legislador fez alusão, na verdade, à não necessidade de distribuição obrigatória de dividendos em tais companhias. Isto porque tal lei tinha como objetivo incentivar o crescimento de startups e, portanto, fazia-se necessário que eventuais lucros apurados nas companhias em estágio inicial não fossem obrigatoriamente distribuídos, mas sim reinvestidos, permitindo o seu crescimento. Tendo em vista que o ML das Startups é uma lei nova, não houve ainda entendimento jurisprudencial sobre o tema.

Por fim, muito ainda se discutirá sobre o tema da distribuição desproporcional de dividendos, considerando que está sendo um dos temas da Reforma Tributária e que, em 13.08.2024, a Câmara dos Deputados aprovou o texto-base do Projeto de Lei Complementar nº 108/2024, prevendo, dentre outras mudanças, a incidência do ITCMD sobre a distribuição desproporcional de dividendos, na hipótese de ato societário praticado por liberalidade e sem justificativa passível de comprovação.

*Júlia é advogada sênior associada do VBD Advogados

*Thalita é sócia do VBD Advogados. Atua em proteção da propriedade intelectual

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