Petrobras: Auditoria do TCU diz que governo Lula atropelou conselho para nomear secretários

O Tribunal de Contas da União (TCU) decide nesta quarta-feira (25) se abre uma representação para apurar se o governo Lula atropelou as recomendações dos comitês internos e o conselho de administração da Petrobras para nomear conselheiros dois secretários do Ministério de Minas e Energia (MME) sobre os quais havia vedação por conflito de interesse “permanente” entre o governo federal, acionista controlador, e a petroleira.

É o que aponta uma auditoria sigilosa da unidade especializada em petróleo, gás natural e mineração (AudPetróleo), que passou um pente-fino nas nomeações para a alta cúpula da Petrobras nos primeiros meses do governo Lula e sob a gestão de Jean Paul Prates.

Na mira do levantamento ao qual a equipe da coluna teve acesso estão as nomeações do atual presidente do colegiado, Pietro Mendes, que é secretário de Petróleo, Gás e Biocombustíveis do MME, e o ex-secretário-executivo da pasta, Efrain Cruz.

Na análise, que foi concluída em maio e já foi apresentada à Petrobras, os técnicos do TCU analisaram registros da avaliação de integridade e governança, os chamados background check, e descobriram que a eleição de Mendes e Cruz para o cargo desconsiderou parecer do Comitê de Pessoas da Petrobras de que os secretários não podiam ser conselheiros justamente por integrarem o Ministério de Minas e Energia.

O parecer do comitê interno que defendia a inelegibilidade da dupla foi chancelado pela maioria dos integrantes do Conselho de Administração em duas reuniões realizadas em março de 2023, às vésperas da assembleia-geral ordinária que elegeria a primeira formação do colegiado sob o terceiro mandato de Lula.

Mesmo assim, ambos foram eleitos conselheiros graças ao voto (ou, nas palavras dos técnicos, a ação “decisiva”) do representante da União no conselho, o procurador da Fazenda Nacional, Ivo Cordeiro Timbó.

Timbó apresentou um parecer jurídico elaborado pelo próprio MME que defendia a elegibilidade de Pietro Mendes e Efrain Cruz, à revelia do que prevê o regramento interno da Petrobras e a própria legislação. Embora a tese contrariasse a posição do Conselho de Administração e do Comitê de Pessoas, a posição prevaleceu pois a União é a acionista majoritária da estatal.

“Para permitir a concretização da eleição desses indicados, o representante da União, a controladora da Petrobras, desconsiderou a opinião do CA [Conselho de Administração] da Petrobras no sentido de considerá-los inelegíveis”, afirmam os técnicos do TCU em um trecho da auditoria.

A nomeação foi costurada pelo ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, que assegurou maioria no colegiado enquanto o CEO indicado por Lula, Jean Paul Prates, dominou a composição da diretoria executiva. A disputa entre os dois por espaço e poder na petroleira perduraria até a demissão de Prates, em maio deste ano.

O conflito de interesses está relacionado ao fato de que, como secretários do ministério, Pietro e Efrain têm a missão de elaborar políticas públicas que afetam diretamente os negócios da Petrobras. Embora sendo controlada pela União, a empresa tem milhares de acionistas privados e eventualmente objetivos conflitantes com os do governo de turno. Como secretários, os dois devem decidir de acordo com os interesses do governo. Mas, como conselheiros, tem obrigação de agir para beneficiar a companhia.

“Embora deva existir uma convergência entre as políticas públicas elaboradas pelo MME e o interesse público perseguido pela Petrobras, ante o que dispõe o art. 8º, §1º, da Lei das Estatais, não se pode esquecer que a persecução de tal interesse pode significar impor à estatal obrigações e responsabilidades distintas daquelas que incidam sobre qualquer outra empresa do setor privado em que atua. Dentro desse contexto, é possível que, em muitas situações, o interesse público representado por um agente que está inserido na estrutura de governo pode conflitar com o interesse público da Petrobras”, define a ala técnica.

Mendes e Cruz foram nomeados em abril de 2023. No mês anterior, o então ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Ricardo Lewandowski suspendeu alguns dispositivos da Lei das Estatais que impediam algumas nomeações de Lula em uma liminar que serviu de base para a defesa da indicação dos secretários por parte da União.

Mas, de acordo com os técnicos do TCU, o mero conflito de interesses entre as atribuições da alta cúpula do MME e os da Petrobras seria suficiente para barrar a eleição de Mendes e Cruz à luz da legislação vigente. A liminar de Lewandowski, portanto, não alterou a situação de conflito.

Cruz deixou o Conselho de Administração em janeiro deste ano, pouco após ser demitido do Ministério de Minas e Energia. Já Pietro Mendes foi reconduzido como presidente do colegiado em abril deste ano, apesar de um breve afastamento por decisão judicial dias antes em uma ação popular que também questionava justamente o conflito de interesses definido pelo TCU.

Outra irregularidade apontada pelos auditores é que tanto Mendes quanto Cruz se autodeclararam como “independentes” no formulário de requisitos para indicação de membros da alta cúpula da Petrobras – definição que a empresa acatou sem qualquer questionamento.

O estatuto social da Petrobras prevê que 40% dos integrantes do Conselho de Administração sejam independentes, ou seja, não tenham relação com a União e nem com a administração da companhia. Só que os dois secretários do MME permaneceram dessa forma até 2024, quando o TCU já apurava irregularidades nas nomeações. Cruz foi demitido do ministério em janeiro e deixou o conselho da petroleira, e a designação de Mendes foi atualizada para “não independente”.

A auditoria ressalta que cabia à estatal verificar se a autodeclaração de independência dos candidatos corresponde aos seus currículos profissionais conforme o regramento da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), o que, em tese, não foi feito. A empresa, por sua vez, informou ao TCU que passou a realizar a checagem neste ano.

Ainda segundo o levantamento, essa irregularidade não comprometeu o mínimo percentual previsto pelo estatuto da empresa, mas os auditores manifestaram preocupação quanto ao desequilíbrio na composição de outras instâncias, como o Conselho Fiscal e o Comitê de Pessoas.

Como informamos em maio, os comitês internos da Petrobras têm maioria de indicados pelo ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira.

“O papel fundamental desses comitês em auxiliar o conselho de administração no bom desempenho de suas atribuições impõe que a assessoria que eles prestam seja dotada do maior grau possível de imparcialidade”, ressalta o documento.

Mais conflitos de interesses

Os técnicos da corte contábil também pediram a abertura de uma segunda representação para apurar possíveis transgressões à Lei das Estatais com a eleição de Victor Saback, atual secretário de Geologia, Mineração e Transformação Mineral da pasta de Minas e Energia, para o colegiado.

Ao contrário de Mendes e Cruz, Saback não era secretário quando foi indicado para o Conselho de Administração, mas foi nomeado 15 dias depois, e já era secretário quando foi eleito conselheiro na assembleia de acionistas.

“Em função do momento em que se deu a nomeação para o cargo no MME, não houve tempo hábil para as análises exigidas nos normativos aplicáveis no tocante a possível configuração de conflito de interesses impeditivo da eleição desse conselheiro”, observam os auditores.

Saback também foi designado como conselheiro independente de Administração, embora não tenha se autodeclarado dessa forma ao submeter seu nome ao processo eletivo. A auditoria ressalta que essa classificação chegou a constar no site da Petrobras. A companhia, por sua vez, afirma que o cargo foi corrigido neste ano, assim como no caso de Pietro Mendes.

Procurados, Efrain Cruz, Pietro Mendes e Victor Saback não retornaram até o fechamento desta reportagem. O espaço segue aberto.

‘Fiscalização contínua’

A decisão sobre abrir ou não as representações compete agora ao plenário do TCU, composto por nove ministros. A auditoria ocorreu dentro de uma ação de acompanhamento da corte na Petrobras, relatada por Benjamin Zymler.

O parecer da ala técnica cita ainda inconsistências ou irregularidades nas indicações do então CEO Jean Paul Prates para a direção executiva da companhia, como a escolha de dois diretores que já integravam a empresa como funcionários à revelia de critérios meritocráticos internos e um parecer a favor da escolha de um candidato que não figurava na lista tríplice da Diretoria de Gestão e Compliance, mas foi escrutinado mesmo assim por uma empresa headhunter – ele acabou não sendo nomeado.

Os auditores, porém, não propuseram uma representação para apurar estes casos.

No fim do governo Jair Bolsonaro, o TCU entregou à equipe de transição de Luiz Inácio Lula da Silva um relatório que elencou a Petrobras entre os setores de alto risco para o futuro governo. No documento, a corte destacou os avanços na governança da empresa, mas ressaltou que “a estatal deve ser fiscalizada continuamente, pois, mesmo em períodos mais recentes, verificaram-se medidas pontuais de afrouxamento de normativos e regras” – em uma referência indireta à Lei das Estatais, que esteve sob a mira de Bolsonaro durante boa parte de sua presidência.

Como a própria auditoria de 2024 indica, o alerta não parece ter comovido o governo do PT. Ao decidir sobre as representações defendidas pela ala técnica, os ministros do TCU também esclarecerão se a “fiscalização contínua” da Petrobras permanece uma prioridade para o tribunal.

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