Reação da Justiça brasileira ao X vira parâmetro global

Há exato um mês, o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), expedia uma decisão determinando o bloqueio da plataforma X (ex-Twitter) em todo o território nacional. O episódio representou o auge de embates entre o bilionário Elon Musk e a Suprema Corte brasileira. O empresário anunciou a retirada de toda sua equipe do país alegando perseguição por parte da Justiça e do governo. Na ocasião, políticos e estudiosos de direita e de esquerda tentaram avaliar os impactos e a influência de Musk a nível internacional.

Trinta dias depois, o X voltou atrás na decisão de enfrentar o Poder Judiciário e Musk baixou o tom que estava adotando contra o Supremo, o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e mais especificamente contra Moraes. O protocolo prático adotado pelas autoridades brasileiras é visto como modelo a ser seguido por outros países para limitar a interferência das grandes plataformas em governos e nos ataques contra instituições democráticas. A decisão de Moraes, em bloquear a plataforma, levantou críticas e receios em razão da limitação da liberdade de expressão dos usuários e pelo impacto da suspensão da rede social.

De maneira imediata, 20 milhões de usuários brasileiros do X perderam o acesso. Moraes também impôs multa de R$ 50 mil por dia para quem usasse alguma ferramenta tecnológica para burlar o bloqueio. Esse trecho da decisão chegou a ser alvo de uma ação da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) que apontou que o magistrado estava penalizando pessoas que não são investigadas e ultrapassando normas constitucionais. O pedido da entidade para que a multa fosse retirada foi engavetado pelo ministro Kássio Nunes Marques.

Sites especializados em tecnologia dos Estados Unidos apontaram que o X perdeu 40 milhões de usuários e que muitas páginas conhecidas no exterior que eram geridas por brasileiros deixaram de ser atualizadas. Além disso, o aplicativo registra queda no Reino Unido, onde passou de 9 milhões de usuários para 5,6 milhões, em agosto, e no próprio território norte-americano, onde uma a cada cinco pessoas que usavam a plataforma deixaram a rede social.

No Brasil, além do bloqueio da plataforma, o X também levou as demais empresas do grupo a sofrerem risco de elevadas perdas econômicas. Moraes determinou o bloqueio de contas, bens, imóveis, automóveis, embarcações e aeronaves da Starlink — empresa de internet via satélite — em que Musk também é o principal acionista. A provedora chegou a afirmar que não cumpriria a ordem de bloquear o X, mas recuou da decisão diante do risco de ser impedida de operar no maior país da América Latina. A Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), ao mesmo tempo, autorizou o funcionamento da E-Space, concorrente da Starlink.

O cientista social Fábio de Sá Silva, professor de Estudos Brasileiros da Universidade de Oklahoma, nos Estados Unidos, pesquisador de Justiça, segurança pública e crise democrática, destaca que a reação brasileira a Musk é difícil de ser replicada, mas gera um norte para outras nações. “Não há dúvida que a reação brasileira serviu, se não de modelo, até porque é difícil de ser replicada, ao menos como uma referência para diversos países e grupos ao redor do mundo que enfrentam problemas com desinformação e discurso de ódio promovidos por plataformas. Exemplo disso foi a carta lançada por influentes acadêmicos denunciando o poder excessivo de plataformas e valorizando o que se fez no Brasil. Eu mesmo recebi consultas de gente de fora do Brasil que queria entender melhor o caso, para entender se poderia fazer algo semelhante em seus próprios países”, relembra.

Para o especialista, Elon Musk esperava uma mobilização social em torno da volta do X no Brasil. Ele chegou a incentivar e compartilhar posts em que bolsonaristas e outros nomes da direta convocaram atos para 7 de setembro. No entanto, a data ocorreu sem grandes manifestações pelo país. “Há um consenso de que Musk esperava forte comoção em defesa de sua plataforma. Isso não ocorreu. Primeiro, porque houve muita gente que entendeu que a suspensão foi legítima, já que decorrente de desobediência à ordem judicial em caso de doxing de um delegado federal. Depois, porque a vida seguiu, as pessoas foram para outras plataformas. Acho que a lição disso tudo é que indivíduos como Musk só têm poder na medida em que a gente concede”, opina.

Em petição enviada ao Supremo, os advogados do X informaram que a plataforma cumpriu todas as ordens judiciais emitidas pela Corte e solicitaram que o acesso ao serviço da empresa fosse liberado. Entre as determinações cumpridas, de acordo com a entidade, estão a suspensão de perfis acusados de crime, como do senador Marcos do Val (Podemos) e do influenciador Ed Raposo, além do pagamento de multas.

No documento, os representantes da plataforma apontaram que “o X adotou todas as providências indicadas por Vossa Excelência como necessárias ao restabelecimento do funcionamento da plataforma no Brasil”. A obrigação de empresas estrangeiras terem representantes legais no Brasil está prevista no Código Civil. O acesso ao X foi cortado para todos os usuários e o magistrado aplicou multa para quem acessar por rede privada (VPN) ou por outro meio que caracterize o uso de “subterfúgios tecnológicos” para burlar a determinação judicial.

O advogado Ticiano Gadêlha, especialista em Direito da Propriedade Intelectual pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC/RJ), afirma que o episódio deve servir de exemplo para que normas sejam aplicadas às plataformas que atuam no país para impedir que sejam palco de diversos tipos de crimes cometidos por meio do ambiente virtual. “É essencial definir regras claras para o funcionamento das plataformas digitais no Brasil. Com o crescimento das redes sociais e a importância que elas têm na nossa vida, é preciso garantir que as empresas sigam a lei, sem abrir espaço para abusos como fake news, discursos de ódio ou desrespeito às decisões da Justiça. As regras ajudam a proteger tanto os usuários quanto a sociedade em geral”, frisa.

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