‘Modo campanha’: estimulado por tarifaço e pesquisas, Lula se opõe ao Congresso, critica Bolsonaro e projeta 2026

Estimulado pelos sinais de reflexo positivo na popularidade diante do embate com Donald Trump, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva acelerou a guinada eleitoral que já vinha sendo a tônica de seus discursos há semanas. O petista também pegou carona na rejeição popular ao aumento no número de deputados para se contrapor ao Congresso, e voltou a rivalizar com o ex-presidente Jair Bolsonaro.

A curva que começou a ser desenhada com o discurso de “justiça tributária” e defesa da taxação dos mais ricos, enquanto o Congresso rejeitava aumento do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), ganhou impulso com o anúncio do presidente dos Estados Unidos do tarifaço de 50% sobre os produtos brasileiros. Ao mesmo tempo que negocia com o governo americano meios de evitar prejuízos aos exportadores, o governo colhe dividendos políticos resumidos pelo mote da “soberania” explorado em falas públicas, nas redes sociais e em pronunciamento feito por Lula ontem à noite na TV.

Também ontem, em passagens por Goiânia e Juazeiro (BA), o presidente vinculou mais uma vez Bolsonaro à medida anunciada por Trump, em tentativa de desgastá-lo. Segundo Lula, seu opositor e o filho Eduardo Bolsonaro (PL-SP), deputado licenciado, são “traidores” da pátria. A estratégia tem lastro nas pesquisas: a Quaest diz que 72% dos eleitores acham que Trump errou ao impor a tarifa, e 84% avaliam que governo e oposição deveriam se unir para defender o Brasil da ofensiva trumpista.

— Bolsonaro se abraça na bandeira americana. É um patriota falso. Transfira o título de eleitor e vá votar lá — disse Lula em discurso no Congresso da União Nacional dos Estudantes (UNE).

‘Vai para o xilindró’

Mais tarde, no município baiano, o chefe do Executivo afirmou que Bolsonaro tentou dar um golpe e, se for condenado, “vai parar no xilindró”. Em uma fase anterior, o presidente chegou a ser orientado por auxiliares a evitar citar o nome de Bolsonaro. O atual ministro da Secretaria de Comunicação Social, Sidônio Palmeira, no entanto, é defensor das comparações entre a gestão atual e a do antecessor.

A expectativa no Planalto é que a retórica antagonizando com Trump e Bolsonaro, em defesa da “soberania”, siga rendendo apoios e se transforme em trunfo eleitoral. Mesmo aliados reconhecem a dificuldade do governo em encontrar uma marca que sirva de mote como o Bolsa Família já foi usado em pleitos anteriores. A oratória, nessa visão, poderia substituir a falta de um programa vitrine para 2026.

Mesmo Lula, que vinha resistindo a se apresentar como candidato à reeleição, passou a tratar abertamente do tema, e ontem avançou nessa direção ao cobrar a esquerda a eleger mais deputados e senadores no ano que vem. A reclamação tem como pano de fundo as dificuldades do Planalto com a governabilidade no Congresso, o que torna a administração dependente da volatilidade do Centrão.

Outros resultados da rodada de pesquisas Genial/Quaest também embalam este momento, em que o Planalto demonstra mais confiança. Os números divulgados ontem mostram Lula à frente de seus principais oponentes no primeiro turno e em empate técnico com o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), em um eventual segundo turno. Mais do que a dianteira, o levantamento corrobora o cenário de divisão da direita com a inelegibilidade de Bolsonaro — Tarcísio, Eduardo Bolsonaro e a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro aparecem com patamares parecidos.

Também recuou o número de entrevistados que desaprovam a busca de Lula pelo quarto mandato (66% para 58%).

Após o dia em Goiás e na Bahia, Lula estará hoje no Ceará para visitar obras de infraestrutura, parte do plano que prevê uma rota mais dedicada às viagens pelo país. Nas próximas semanas, há previsão de idas ao Piauí para tratar de empreendimentos que incluem rodovias federais e investimentos em educação de tempo integral.

Para o Planalto, a estratégia reforça a imagem de um presidente que “cuida do país”. Ao longo do terceiro mandato, Lula visitou 34 países. Em 2025 foi ao Uruguai duas vezes, Japão, Vietnã, Honduras, Vaticano, Rússia, China, França, Mônaco, Canadá e Argentina. Ao se concentrar mais na agenda doméstica, Lula deverá ir no segundo semestre apenas a encontros que forem imprescindíveis, como a Assembleia Geral da ONU, em Nova York.

Outro eixo da tática passa pelo contraponto ao Congresso em temas considerados de apelo popular. Após cogitar não se posicionar sobre o projeto que elevou de 513 para 531 o número de deputados federais, o que deixaria a missão de promulgar a lei a cargo do presidente do Congresso, Davi Alcolumbre (União-AP), Lula vetou a iniciativa ontem. O ajuste de posicionamento foi moldado por pesquisas internas, que antes da Quaest já identificavam a rejeição da população ao aumento — segundo o instituto, 85% é contra.

Passou pela conta também a análise de uma oportunidade para Lula se alinhar ao discurso de responsabilidade fiscal, área em que costuma receber críticas, sem sofrer desgaste popular. Ainda assim, a decisão não foi unânime.

O tema foi discutido com Lula numa reunião descrita como “sensível” por auxiliares na quarta-feira no Palácio do Planalto.

Escalada de tensão

A ministra de Relações Institucionais, Gleisi Hoffmann, e o líder do governo na Câmara, José Guimarães (PT-CE), eram vozes contrárias ao veto, sob argumento de que o gesto representaria mais um passo na escalada de tensão com o Congresso, especialmente após a judicialização da disputa em torno do IOF, o que acabou com uma decisão benéfica ao Executivo.

A justificativa formal do veto afirma que o projeto contraria o interesse público e é inconstitucional, mas, a despeito do embasamento jurídico, a medida foi encarada no Congresso como um recado político. Parlamentares ainda avaliam o tom da reação e mesmo entre aliados do presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), que construiu o acordo para aumentar as cadeiras na Casa, há o entendimento de que será um veto difícil de derrubar. O grupo próximo a Motta reclama que Lula “jogou para a plateia” com a decisão. Para que a medida seja revertida, é necessário apoio da maioria dos deputados e senadores, em duas votações separadas.

A contabilidade da aprovação, em junho, já demonstra a dificuldade. O texto passou na Câmara com 270 favoráveis e 207 contrários. Já no Senado, avançou com placar ainda mais apertado: 41 a favor, número mínimo, e 33 contrários. Agora, líderes do Senado dizem que a tendência é que o placar de apoiadores seja menor, diante do desgaste na opinião pública.

Na noite de quarta-feira, logo após o veto ter sido anunciado, Motta articulou a aprovação de um projeto com impacto de R$ 30 bilhões, o que levou Guimarães a reclamar de quebra de acordo. Mesmo com o cenário ainda distante de uma pacificação completa, o líder do maioria na Câmara, Arlindo Chinaglia (PT-SP), disse que a decisão de Lula traz benefícios:

— Podemos até ser derrotados nas votações, mas vamos ganhar na disputa política.

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